Trevisan Tanaka e Vieira Advogados

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24/03/23
A responsabilização de terceiros em execuções fiscais e o IDPJ

A responsabilização de terceiros em execuções fiscais sempre foi tarefa fácil para a Fazenda Pública. Sem qualquer embasamento fático ou esforço argumentativo, a Fazenda, sobretudo a União, obteve êxito na inclusão de sócios, diretores, representantes de pessoas jurídicas, bem como de outras pessoas jurídicas no polo passivo de execuções fiscais.

Para tanto, bastava apenas sugerir a presença de qualquer indício de irregularidade e requerer a inclusão de A, B ou C no polo passivo, o que, a depender do estágio da execução, prontamente era acatado e deferido pelos diversos juízos.

Essa situação, entretanto, traz consigo diversos contratempos a esses terceiros incluídos no polo passivo. E isso porque, a única forma processual de se defenderem amplamente – e sem qualquer restrição, inclusive no campo das provas – consiste na apresentação de Embargos à Execução Fiscal, estritamente dependente de garantia integral ao débito executado. Ademais, não é qualquer tipo de garantia que a Fazenda está disposta a aceitar, mas apenas garantias muito líquidas, como depósitos, seguros garantias e cartas de fiança.

É bem por isso que a defesa desses terceiros, muitas das vezes, se tornou difícil ou praticamente impossível, o que lhes trouxe diversos danos patrimoniais, como suas contas bloqueadas, decretação de indisponibilidade de bens, dentre outros.

Entretanto, esse cenário vem sendo alterado com o julgamento, em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (proc. nº. 0017610-97.2016.4.03.0000), ainda pendente de decisão final.

O tribunal definiu que o Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica (IDPJ), previsto nos artigos 133 e seguintes do novo Código de Processo Civil, também se aplica às execuções fiscais.

A discussão toda gira em torno da compatibilidade do IDPJ com o rito próprio das execuções fiscais, bem como da aplicação e incorporação de conceitos do direito civil, o da confusão patrimonial e desvio de finalidade, para a atribuição de responsabilidade em matéria tributária.

Em princípio, há que se diferenciar as responsabilidades de terceiros previstas nos (a) arts. 132 (transformação, fusão e incorporação da pessoa jurídica), 133 (aquisição de fundo de comércio ou estabelecimento comercial), 134 (responsáveis legais, a exemplo dos pais pelos tributos devidos pelos seus filhos) e (b) aquela prevista no art. 135 e seus incisos do Código Tributário Nacional. As primeiras são responsabilidades atribuídas por lei, enquanto a segunda demanda a comprovação dos requisitos do “excesso de poderes” ou “infração à lei”.

Para o desembargador Wilson Zauhy, redator do voto vencedor no processo, todas as situações que importem na declaração de responsabilidade pessoal e subjetiva de um terceiro – pessoa física ou jurídica – demandam a instauração do IDPJ, já que exigem o envolvimento do responsável com o adimplemento da obrigação tributária. Essa situação se aplica não apenas aos responsáveis indicados nos incisos do art. 135, mas também a comprovação de grupo econômico de que trata o inciso IX do art. 30 da Lei 8.212/91.

Para todos esses casos, o IDPJ há de ser instaurado pela Fazenda, garantindo-se o devido processo legal para os sujeitos vinculados ao passivo fiscal no pós-ajuizamento da execução fiscal.

A decisão é, de fato, um avanço, pois assegura o exercício da ampla defesa e contraditório sem a prévia garantia da dívida fiscal. Um avanço, inclusive, que só se concretizou com a aprovação da Lei da Liberdade Econômica.

E isso porque, a decisão se escora, em grande parte, na Lei da Liberdade Econômica, que consagra a autonomia patrimonial, separando as responsabilidades das pessoas jurídicas e de seus gestores, dirigentes, dentre outros, e, inclusive, altera o Código Civil para tratar das hipóteses de abuso de personalidade (desvio de finalidade e confusão patrimonial).

A decisão, nesse sentido, deve ser observada pelos diversos juízes da 3ª Região e pelo próprio Tribunal, dado o disposto no art. 928, inciso I do próprio CPC, uniformizando o entendimento sobre o tema.

A nosso ver, a decisão deve ser aplicada, inclusive, a processos anteriores à vigência do Código de Processo Civil de 2015, considerando a máxima de que a lei processual se aplica aos processos em curso, ressalvadas as situações já consolidadas na vigência do diploma anterior.

Tudo isso porque o redirecionamento da dívida a terceiros, que não integraram o Processo Administrativo e sequer constam das CDAs, não pode ocorrer sem a formalização de um processo, no âmbito do qual será possível a ampla produção de provas na defesa de seus interesses.

A União Federal, como se sabe, possui mecanismos próprios para assegurar que terceiros, que não participaram do Processo Administrativo, respondam pela dívida fiscal. Isso se dá, por exemplo, por intermédio do Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR), de que trata a Portaria PGFN 948/2017.

Se não houve a instauração de qualquer procedimento prévio para a apuração de responsabilidades, nada mais correto que os terceiros – pessoas físicas ou jurídicas – que vierem a ser acionados nas execuções fiscais tenham reconhecida a possibilidade de defesa pelo incidente previsto no art. 133 do novo CPC.

A decisão do Órgão Especial, assim, tem o condão de corrigir os erros do passado atribuídos à Autoridade Fazendária e amplamente chancelados pelo Judiciário, de se requerer a inclusão de terceiros no processo por simples petição, bem como de incorporar no Direito Tributário conceitos importantes do Direito Civil, da confusão patrimonial e do desvio de finalidade. Espera-se, assim, que a referida decisão seja mantida pelos Tribunais Superiores.

Fonte: Jota