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11/01/23
Nova regra de dedutibilidade de royalties

MP trouxe alinhamento de normas brasileiras de preços de transferência aos parâmetros da OCDE

O final de 2022 trouxe para o sistema tributário brasileiro a Medida Provisória 1152. Em grande parte, um alinhamento das regras brasileiras de preços de transferência aos parâmetros da OCDE. Um sistema mais complexo, mas potencialmente com maior segurança jurídica.

Na parte das disposições finais, contudo, dois artigos tratam de um tema mais específico: a dedutibilidade de royalties pagos por pessoas jurídicas brasileiras das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Um assunto antigo, controverso e de alto impacto para alguns setores da economia brasileira, como o agronegócio.

Resumidamente, até a edição da MP 1152/2022, a dedutibilidade dos royalties pagos por empresas brasileiras devia levar em consideração uma série de dispositivos, especialmente o artigo 74 da Lei 3.470/1958, os artigos 12 e 13 da Lei 4.131/1962 e o artigo 71 da Lei 4.506/1964.

O conteúdo similar destes dispositivos gerou muitas dúvidas sobre uma possível revogação tácita, especialmente do artigo 74 da Lei 3.470/1958 pelo artigo 71 da Lei 4.506/1964. Essa revogação teria um efeito prático muito importante: ambos preveem um limite percentual para a dedutibilidade de royalties, atualmente até 5% da receita bruta do produto fabricado ou vendido, mas a Lei 4.506/1964 deixa claro que essa limitação vale apenas quando o beneficiário estiver no exterior, enquanto a Lei 3.470/1958 não faz distinção.

Particularmente, entendo que a limitação feita pela Lei 3.470/1958 nunca se aplicou aos pagamentos de royalties feitos a beneficiários brasileiros, por uma série de motivos (por exemplo, a análise do PL 989/1956, posteriormente convertido na Lei 3.470/1958, deixa claro que o objetivo do limite de dedutibilidade era proporcionar “meios para o combate à burla observada nos pagamentos de ‘royalty’ pertencentes a pessoas residentes no estrangeiro” para evitar “a evasão legal do impôsto incidente sôbre rendimentos auferidos por comitentes domiciliados no exterior”).

ontudo, a jurisprudência administrativa e judicial sobre o tema assume como pressuposto que o artigo 74 da Lei 3.470/1958 se aplica tanto para beneficiários no Brasil quanto no exterior, focando na existência ou não de revogação tácita. A tendência inicial era pela sua existência (e, portanto, pela não aplicação do limite de dedutibilidade nos royalties pagos a beneficiários brasileiros), mas a partir da primeira década dos anos 2000 passou-se a entender que a revogação não teria ocorrido.

Assumindo que não houve a dita revogação, em resumo e sem pretensão de tratar de todas as hipóteses e controvérsias sobre o tema, até o final de 2022 eram indedutíveis os royalties pagos por empresas brasileiras:

  • que não representassem despesa necessária para que o contribuinte mantivesse a posse, o uso ou a fruição do bem ou do direito que produz o rendimento;
  • a sócios (havendo divergência no caso de sócio pessoa jurídica) ou a dirigentes de empresas, e a seus parentes ou dependentes;a sua matriz (caso se trate de filial brasileira de empresa com sede no exterior);
  • sem contrato registrado no INPI e, no caso de beneficiários no exterior, no Banco Central;
  • e que excedessem 5% da receita líquida de venda do produto correspondente (a depender do tipo de atividade, o limite pode variar entre 1% e 5%, sendo que apenas o excesso seria indedutível).

Com exceção da indedutibilidade dos royalties que não representem despesa necessária, esses limites deixam de existir a partir de 1º de janeiro de 2024 ou, facultativamente, 1º de janeiro de 2023, dado que o artigo 47 da MP 1152/2022 revoga o artigo 74 da Lei 3.470/1958, os artigos 12 e 13 da Lei 4.131/1962 e o artigo 71, parágrafo único, alíneas “d” a “g”, da Lei 4.506/1964.

Por outro lado, o artigo 45 da MP 1152/2022 estabelece novas restrições: serão indedutíveis os royalties pagos a (i) beneficiários situados em paraísos fiscais ou beneficiários de regimes fiscais privilegiados (conforme definidos pelos arts. 24 e 24-A da Lei 9.430/1996) e (ii) partes relacionadas, quando a dedução resultar em dupla não tributação, conforme hipóteses predeterminadas.

Portanto, os royalties pagos a beneficiários independentes fora de jurisdições com tributação favorecida passam a ser integralmente dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Trata-se de grande avanço legislativo, uma vez que a imposição do limite de 5% da receita de venda do produto correspondente causava grande distorção em determinados setores, nos quais a despesa com royalties é bastante elevada.

Alguns pontos de atenção permanecem: o conceito de “parte relacionada” previsto no artigo 4º da MP é amplo e pode gerar controvérsias quanto à existência de influência em relações comerciais. O artigo 23 da Lei 9.430/1996 continha apenas duas hipóteses de caracterização de pessoa vinculada por decorrência de relação comercial: quando as partes fossem associadas (via consórcio ou condomínio) em algum empreendimento e nos casos em que uma das partes detivesse exclusividade na compra e venda de bens, serviços ou direitos na condição de agente distribuidora ou concessionária.

Ainda, o parágrafo único do artigo 45 da MP 1152 prevê que a Receita Federal disciplinará o disposto no artigo. É comum que as regulamentações expedidas pelas autoridades fiscais gerem controvérsia quanto à obediência aos limites impostos pela legislação originária. Assim, é necessário aguardar a manifestação da Receita Federal sobre as novas regras de dedutibilidade de royalties para verificar o quanto de fato o cenário mudou.

Por fim, não se pode esquecer que a introdução destas novas regras ocorreu por meio de medida provisória. Se esta não for convertida em lei no prazo de 60 dias (prorrogável por mais 60 dias), perderá sua eficácia. Assim, é fundamental também acompanhar a sua tramitação.

Fonte: Jota