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09/11/21
Responsabilidade tributária solidária dos marketplaces

Da implementação de alterações nas legislações estaduais para responsabilizar empresas de marketplace

Com o indubitável crescimento das empresas que realizam operações de prestação de serviços por meios eletrônicos, bem como a relevância econômica que ocupam, a discussão acerca de uma tributação “justa“ ao setor tem sido cada vez mais recorrente. Discute-se se há proporcionalidade no pagamento de impostos, em comparação com outros setores do mercado.

É importante a compreensão do papel desses agentes na economia atual e também seu conceito. Substancialmente, esses negócios apresentam um conceito coletivo de vendas/serviços online, ou seja, é um instrumento no qual diferentes lojas podem anunciar seus produtos e/ou serviços, dando ao cliente uma variedade de opções. Por conseguinte, trata-se de uma rede cujos vendedores podem fazer suas ofertas dentro do mesmo meio eletrônico, como, sites e aplicativos. Essencialmente, o marketplace e plataformas digitais intermediam a negociação, aproximando o vendedor/prestador do comprador/tomador.

Covid-19 e as operações de marketplace

Nos últimos dois anos os marketplaces e plataformas digitais tiveram um crescimento exponencial. Segundo o relatório da Ebit/Nielsen, a pandemia provocou um pico nas compras online no Brasil, levando 7,3 milhões de novos consumidores ao e-commerce no primeiro semestre de 2020.

Consecutivamente, os marketplaces foram abrangidos por essa onda e sua representatividade foi ainda mais expressiva diante da crise econômica. Lojistas de todo o país encontraram no marketplace soluções para enfrentar a crise, ofertando seus produtos e serviços por meio dessas plataformas que aproximam o cliente ao vendedor, possibilitando assim que pequenas lojas tenham acesso a um público muito maior de consumidores em potencial, o que resultou em novas possibilidades de atuação.

Com o advento da pandemia da Covid-19 e a visibilidade dos marketplaces e plataformas digitais, alguns estados passaram a ter um olhar mais criterioso para esse tipo de negócio, principalmente para garantir que o ICMS decorrente dessas operações seja arrecadado. 

A responsabilidade solidária do ICMS

Alguns estados propõem na legislação tributária do ICMS algum grau de responsabilidade para plataformas e meios de pagamento em relação às operações as quais realizam intermediação e que estejam sujeitas ao recolhimento do imposto. O tema vem sendo discutido com celeridade nas unidades federativas, com alguns Projetos de Lei aprovados em curtos intervalos de tempo, e têm-se visto a crescente adesão de novos estados para tais medidas.

Por um lado, o estado defende a aplicabilidade da responsabilidade solidária aos marketplaces, tendo em vista o potencial risco de sonegação tributária dos “parceiros” que utilizam tais plataformas. Ou seja, a intenção é de que o pagamento do ICMS seja assegurado ainda que o vendedor não o faça. Em contrapartida há o questionamento se há plausibilidade nas legislações aplicáveis, já que a pretensão é a responsabilização de um terceiro por operações as quais ele intermedia, porém não possui total controle.

São três as hipóteses principais de responsabilidade solidária:

  • Da ausência de emissão de nota fiscal, prevista por exemplo nas legislações dos estados de Mato Grosso, Ceará e Bahia;
  • Da ausência de envio de informações da plataforma às autoridades fiscais, prevista por exemplo nas legislações dos estados de Mato Grosso, São Paulo, Paraná;
  • Se o pagamento ocorrer por intermédio da plataforma, não importando se o contribuinte emitiu ou não os documentos e se a plataforma deixou ou não de prestar informações ao fisco, prevista por exemplo na legislação da Paraíba.

Manifestação dos principais estados

Em relação às normas e proposições envolvendo responsabilidade solidária, a principal diferença que se dá entre elas é que algumas determinam que a responsabilidade solidária somente será aplicável se a empresa deixar de prestar informações sobre as operações intermediadas – são os exemplos de RS, PR, MT e MG.

Em outros casos, no entanto, o intermediador poderia ser responsabilizado por quaisquer transações nas quais não possua a respectiva nota fiscal, ainda que tenha prestado informações corretas ao fisco – são os casos de CE, BA, MA, PB, PI e RJ.

Veja abaixo um quadro ilustrativo contendo os principais estados que aderiram à responsabilidade solidária de ICMS, bem como as normas aplicáveis e em quais hipóteses.

Localidade Norma Hipóteses de atribuição de responsabilidade solidária
Bahia Lei 14.183, de 12 de dezembro de 2019 Da não emissão de documento fiscal
Ceará Lei 16.904, de 03 de junho de 2019 Da não emissão de documento fiscal
Maranhão Lei  11.387, de 21 de dezembro de 2020 Da não emissão de documento fiscal ou acobertadas de documento fiscal inidôneo ou falso
Mato Grosso Lei  11.081, de 14 de janeiro de 2020 Da ausência de prestação de informações ao fisco
Minas Gerais Emenda nº 1 ao artigo 21 da Lei 6.763/75, dos incisos 19 e 20 Da não emissão de documento fiscal
Paraíba Lei  11.615, de 26 de dezembro de 2019 Quando houver recebimento e repasse dos pagamentos por meio da plataforma
Piauí Lei  7.435, de 28 de dezembro de 2020 Da não emissão de documento fiscal ou acobertadas de documento fiscal inidôneo ou falso
Paraná Lei  20.382, de 19 de novembro de 2020 Da ausência de prestação de informações ao fisco
Rio de Janeiro Lei 8.795, de 17 de abril de 2020 Quando o contribuinte esteja em situação cadastral irregular e o intermediário tenha sido
informado desta situação previamente pelo fisco
Rio Grande do Sul Lei 15.776, de 29 de dezembro de 2020 Da ausência de prestação de informações ao fisco
São Paulo Portaria CAT 156, de 24 de setembro de 2010 Da ausência de prestação de informações ao fisco
Sergipe Lei 8.853, de 28 de junho de 2021 Da não emissão de documento fiscal
Projetos de Lei Proposição Hipóteses de atribuição de responsabilidade solidária
Alagoas 348/20 Da não emissão de documento fiscal
Rio Grande do Norte 154/20 Quando houver recebimento e repasse dos pagamentos por meio da plataforma

Obs: Dados atualizados em outubro de 2021

Da indevida aplicação da responsabilidade tributária

Há de se considerar que ainda que os estados necessitem garantir a arrecadação do ICMS e evadir possíveis sonegações tributárias, há pressupostos que evidenciam a inconstitucionalidade e ilegalidade da medida de responsabilização solidária de ICMS aos marketplaces porque os moldes desenhados atualmente extrapolam a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional (CTN).

No tocante à inconstitucionalidade, a Constituição de 1988 estabelece que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária (artigo 146, inciso III, alínea “b”). Isso significa dizer que hipóteses de responsabilidade solidária que não forem instituídas por lei complementar e sim por lei ordinária, devem ser consideradas inconstitucionais.

Já no que diz respeito à legalidade, o CTN prevê no seu artigo 124 quem poderão ser os possíveis responsáveis tributários. É determinado que o fato gerador e o interesse em comum com o mesmo estejam presentes para a caracterização da responsabilidade solidária. É evidente que as plataformas não integram o polo passivo da relação jurídica que dá origem a obrigação tributária, pois sua função é apenas de facilitar o contato entre as partes, não há o interesse comum necessário, que também estão nos termos da jurisprudência do STJ (RESP nº 884.845/SC; RESP 1840920/PB).

Do contraponto do desenvolvimento das operações virtuais

A responsabilidade que os estados sugerem transferir para as plataformas online pela eventual inadimplência de lojistas pode resultar em uma inviabilidade operacional aos marketplaces, bem como no encarecimento dos serviços dos intermediários, pois seria necessário a criação de novas soluções, features e implementação de compliance para atendimento às demandas impostas nessas novas legislações. Todos esses pontos corroboram para o não desenvolvimento das operações virtuais, que são de suma importância para a economia do país.

É discutível responsabilizar um terceiro por operações das quais ele supostamente não participa e não detém 100% do controle. Tendo em vista que essencialmente os marketplaces realizam apenas a intermediação dos serviços, as etapas posteriores, como a prestação dos serviços e/ou saída de mercadorias e a emissão da nota fiscal, não têm participação direta dos mesmos, de modo que é indagador vincular as plataformas ao fato gerador.

Conclusão

É razoável que para esse novo modelo de negócio os marketplaces contribuam com o fisco na entrega de suas obrigações acessórias, como por exemplo a DIMP – que apresenta todas as informações sobre transações com débito, crédito, cartão de loja (private label) – e outros instrumentos como sistema de pagamento eletrônico, possibilitando assim possível fiscalização dos lojistas registrados na plataforma, o que facilitaria o processo de apuração de eventuais irregularidades por parte dos contribuintes (lojistas) cadastrados nos marketplaces.

A responsabilidade solidária só pode ocorrer quando houver descumprimento de deveres para com a administração tributária, e desde que tenha havido contribuição para a situação de inadimplência do contribuinte (RE 562.276). Para isso é necessário observar a legalidade e constitucionalidade na implementação da responsabilização.

Por fim, no que diz respeito às novas legislações que determinam que basta que o pagamento e repasse ocorram por meio da plataforma, para que haja responsabilidade solidária, há de se repensar que a atividade principal (atividade final) é reunir as partes para a realização do negócio. A oferta de pagamentos online por meio das plataformas é a atividade que permite a intermediação da venda de produtos (atividade fim), tornando-se uma mera ferramenta para os fins do negócio.

Considerar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para analisar as novas legislações propostas e seus impactos aos marketplaces é ferramenta fundamental para a ascensão da nova economia.

Fonte: Jota